E nem o céu ou as estrelas podem te trazer de volta

sábado, 26 de março de 2011

Caio Fernando Abreu

''Ando deprimido, agressivo, cansado
perdi uns cinco quilos: pareço um fantasma, 
tenho insônia e pesadelos horrendos, idéias negras durante a noite. 
Hildinha, se você soubesse como ando escuro, 
como me distanciei de mim e das coisas em que acreditava (...) 
finjo o tempo todo, rio, sou alegre, dispersivo, 
com aquele brilho superficial e ridículo. 
E em cada fim de noite me sinto um lixo. 
Há tempos estou vivendo uma estória - de amor-impossível 
que rebenta a saúde: sei que não dá pé de jeito nenhum 
e não consigo me libertar, esquecer — estou completamente 
fixado nessa pessoa, vivo todas as horas do dia em função de encontrá-la, à noite. 
É insuportável. 
Sei que estou me autodestruindo, mas isso já não me assusta: 
penso se não será melhor a fundar, afundar até acabar numa clínica (...) 
Existe uma sede de amor impressionante. 
Estou sendo muito honesto ao te contar essas coisas, 
poderia facilmente escondê-las: 
sei que me arrisco a te chocar, te ferir, te agredir. 
Mas eu nunca quis ser gostado por aquilo que não sou ou aparento ser. 
Não vejo saída, Hildinha, sinto que cada vez mais tudo se fecha. 
Também não adianta pedir ajuda a ninguém, ninguém pode dar. 
Talvez isso passe, não sei quando, talvez seja só uma fase, das mais 
difíceis que atravessei, mas até passar estarei me desgastando, me consumindo. 
Tenho chegado a extremos que não me julgava capaz. E como isso dói.''